terça-feira, 26 de abril de 2016

Intervenção BE Comemorações do 25 de Abril de 2016




Liberdade onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu infame influxo em nós não caia
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trêmulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

(Manuel Bocage)


Abril está e estará sempre presente na nossa memória colectiva como uma data libertadora. A revolução dos cravos foi –e é –o  acontecimento maior da história de Portugal, no século  XX,  e cujas ondas de choque influenciaram igualmente o desenrolar de importantes acontecimentos a nível internacional.

Com Abril, abriram-se portas onde existiam janelas, derrubaram-se muros, irromperam ideais e valores de um Portugal novo:  liberdade e a justiça social; democracia nas suas diversas vertentes; paz e cooperação entre os povos; derderrocada dos monopólios e latifúndios; auto-determinação e a independência para os povos das ex-colónias. Iniciou-se um processo de democratização do Estado Português e a construção de um Estado de Direito Democrático com inequívocas preocupações sociais. 
Celebramos hoje os 42 anos da Revolução de Abril, celebramos e enaltecemos o altruísmo, a generosidade, a coragem, a justiça, a cidadania, a fraternidade. Cumpre-nos, por isso, honrar todos aqueles e aquelas que em 1ª linha lutaram para que fosse possível essa viragem política e societária. “Mulheres e Homens, democratas,  ex-presos políticos, ativistas sindicais da resistência, soldados, capitães de Abril, revolucionários românticos, pessoas que fizeram das suas vidas uma entrega abnegada em prol de um Portugal livre, queremos saudar-vos. A vós, devemos a nossa a voz". 

 Uma saudação especial às mulheres de Abril porque para estas era tudo ainda mais difícil. Lutavam pela liberdade mas também pelo reconhecimento do papel da mulher na sociedade. Como afirma Maria Teresa Horta, uma das escritoras das novas cartas Portuguesas: “Não, nós não podíamos ser nada em Portugal. As mulheres não podiam ser coisa nenhuma. Não tinham direito a nada”. As mulheres lutavam sobretudo contra o regime e mesmo dentro dos movimentos de oposição ao regime fascista, a mulher era muitas vezes relegada para o lugar que já ocupava na sociedade machista (tratavam das casas dos funcionários clandestinos e tinham as mesmas tarefas no lar).  

  Sou mulher, pertenço a uma geração que não conheceu outro regime que não a democracia de Abril, portanto não vivo abril com saudosismos bacocos, mas sim com sentimento de profunda gratidão e reconhecimento. Todos devemos muito aqueles e aquelas que "tiveram a coragem de desafiar o medo, aos que ousaram desejar uma revolução" e o melhor agradecimento passa por todos nós preservarmos, enaltecermos e praticarmos os princípios que Abril nos lega: Liberdade, Democracia, Igualdade.  Comecemos aqui na nossa autarquia, tentando diariamente que Abril floresça e se cumpra através da acção e das políticas municipais que apostem efetivamente na educação, na defesa e qualidade da escola pública, no combate á pobreza, numa politica social que não esquece os mais vulneráveis (idosos, mulheres isoladas com filhos, deficientes), numa política de coesão territorial em que exista igualdade no acesso aos bens públicos essenciais, numa política de igualdade de géneros em que as mulheres não são vistas como objetos, nem instrumentalizadas mas colocadas em pé de igualdade. Façamos da nossa autarquia um exemplo do respeito pela liberdade e democracia em toda a sua amplitude. 
 
Mas cumpre-nos ir mais além. Porque já dizia Garret que o maior inimigo da liberdade é o indiferentismo, cumpre-nos refletir sobre o estado em que está o nosso País volvidos 42 anos da revolução. Cumpre-nos refletir e questionar essa almejada Liberdade, cumpre-nos questionar se não estamos hoje a braços com uma nova ditadura mascarada de democracia. De que liberdade falamos?!É um mito ou uma realidade? Que democracia é esta que construímos? Para onde caminhamos? O que é feito da nossa soberania? Como podemos reavivar o espirito de Abril, o espirito da cidadania e criar movimento Social? 


Pese embora a dinâmica evolutiva do conceito de Liberdade que nas suas diversas facetas é suscetível de aprofundamento, se atentarmos na significância do poema de Sérgio Godinho: “só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação”, e fazendo uma radiografia socioeconómica do país e da Europa somos forçados a admitir que a liberdade é ainda uma quimera. 


São inegáveis e extraordinários os progressos conseguidos com este processo histórico longo e duro, através do qual os indivíduos se tornaram “proprietários de direitos”, mas são concomitantemente inegáveis e inaceitáveis as desigualdades sociais e os retrocessos que hoje vivemos. Quatro décadas volvidas sobre 25 Abril, Portugal já conheceu três intervenções do FMI, crises económicas em catadupa e enfrenta problemas sociais que nos envergonham e que têm sido agravados pela paranóia dietética que visa o emagrecimento do Estado Social. Famílias no desemprego, alastramento da pobreza, crianças privadas de condições de vida dignas, mais de 2 milhões de trabalhadores a ganhar o salário mínimo nacional, a geração mais qualificada de sempre a emigrar em massa (igualando valores da década de 60), reformas de miséria para quem trabalhou toda a vida e o aumento da idade da reforma, ataque sem precedentes à segurança social, desregulamentação das leis laborais, ataque aos serviços públicos essenciais para a qualidade de vida das populações; cortes cada vez maiores no financiamento das autarquias que, em muitos casos, são o bastião da resistência à austeridade. É esta a história recente do nosso país… Abril quase todo por cumprir!!!

 
A cada novo ano das comemorações da efeméride, nas mais diversas e descentralizadas sessões comemorativas (solenes ou não), desfolham-se os discursos de pompa e circunstância, todos eles agraciando o projeto e as conquistas de Abril, discursos retóricos que no dia seguinte, por estados de saúde amnésicos ou por alegados regimes de excepção que vira regra, são rasgados ou desvirtuados. E pasmem-se, tudo isto acontece em nome de uma causa sublime – uma causa que não encontra paralelismo nos mais básicos Direitos Humanos – é ela a crise da dívida soberana. Como é possível termos chegado a este ponto?!Como é possível que a constituição "donos disto tudo", "ilegal e secreta" como a classificou a minha camarada e nossa conterrânea Marisa Matias, se sobreponha à lei aprovada? Como é possível que a lógica financeira se tenha sobreposto aos princípios da dignidade humana?


Somos hoje um país que sucumbe à lógica de um Capitalismo clientelista e de compadrio. Destacam-se os senhores e predominam os vassalos, os gravatinhas de rabo preso que ajoelham perante os poderes, que obedecem a tudo, que aceitam tudo. Se os mercados espirram, o país adoece. Se a Sra Merkel manda, o governo de Portugal não só obedece como ainda agradece".

Os governantes renderam a nossa democracia à ditadura dos mercados e colocaram-se ao serviço dos banqueiros, dos especuladores e dos mais poderosos deste país e da Europa. Completamente desgarrados da realidade vivem num mundo paralelo. Fingem-se preocupados com o povo mantendo com este escassas ligações que só servem o propósito de alimentar a sua incomensurável sofreguidão pelo poder… (Vejamos os casos recentes e vergonhosos que envolvem personalidades da banca, políticos reputados dos mais diversos quadrantes, CEO de empresas. Vejamos o caso do panamá papers). 


A sociedade portuguesa tem-se tornado progressivamente mais injusta, controlada por uma elite medíocre que atua impondo a cultura da cunha, do amiguismo, do clientelismo e do compadrio que, por essa via, acentua a fraude e a corrupção. Estima-se hoje que os custos do crime económico ascendem aos 120 mil milhões de euros anuais na Europa e aos 46 mil milhões de euros em Portugal – nada mais nada menos que 60% do empréstimo pedido à troika ou se quiserem seis orçamentos anuais do Ministério da Saúde (dados observatório da economia e gestão da fraude (OBEGEF)). Um especial destaque para os crimes de branqueamento de capitais e evasão fiscal (vulgarmente designados “os crimes de colarinho branco”) perpetrados por personalidades com elevado estatuto social e político.


Uma só palavra caros concidadãos: indignação. Revejo-me totalmente nas palavras de  José Saramago : “Este país (Portugal) preocupa-me, este país dói-me. E aflige-me a apatia, aflige-me a indiferença, aflige-me o egoísmo profundo em que esta sociedade vive.” 


Multiplicam-se as sessões cívicas que apelam à defesa da democracia, da constituição e do estado social mas nos auditórios não se encontra massa crítica jovem, com frescura ideológica. Predomina na sociedade um sentimento generalizado de insegurança, brotam as sementes do desinteresse, da desorientação e do desânimo que urge subverter para dar lugar à esperança e ao sonho inspirador de outrora.


Dizia De Gaulle que o fim da esperança é o começo da morte e foi esta mesma a percepção da maioria dos portugueses quando nas últimas eleições legislativas expressaram o seu voto no sentido de forçar uma solução governativa assente no diálogo unitário, um entendimento entre as diversas sensibilidades ideológicas capaz de mudar o rumo da governação. Uma solução verdadeiramente democrática, que exige o diálogo e a negociação permanente e permite uma fiscalização e controlo que doutra forma não seria possível.
 

O desafio é difícil, o caminho é escorregadio, a inclinação do plano é-nos desfavorável mas vale a pena! Vale a pena resistir e continuar na luta porque a estrela brilha. A solução governativa atual é um sinal de esperança que permitiu devolver saúde, permitiu oxigenar a democracia débil e de curto alcance e travar, ainda que tenuemente, essa pulsão suicidária que foi converter o estado, não no juiz da partida, mas apenas no fiscal de linha. Há que inverter a tendência de esvaziamento e delapidação e acrescentar Estado ao Estado! Vencer a crise implica reforçar o Estado Social e não destrui-lo ou pô-lo à venda, transformando direitos humanos básicos em puro negócio.

Vamos retomar ou conquistar um novo abril. Lutemos conjunta e solidariamente com os outros povos europeus, em especial os dos países mais atacados pela especulação financeira internacional, por uma Europa solidária dos povos e ao serviço dos povos. Lutemos por soluções alternativas cujo foco de atuação esteja no combate ao flagelo do desemprego, promoção de políticas de crescimento económico e uma mais justa repartição da riqueza, visando o bem-estar das populações e não apenas o enriquecimento contínuo e sem limites de uma ínfima minoria.

Este é um tempo peculiar um tempo de maior exigência, um tempo em que devemos reclamar por maior justiça e equidade, um tempo de desalinhar, um tempo de reencontrar a confiança e a fé nos Homens. 


Hoje, comemorar a revolução do 25 de Abril significa negar a Desesperança e acreditar na força coletiva de um povo que tem o dever de reclamar o direito a decidir sobre o seu destino! ´Significa recusar a inevitabilidade do empobrecimento e da ausência de futuro! Significa travar o recuo civilizacional! Haja coragem, ergamos a voz que Abril nos deu para reafirmar que a Constituição do nosso povo, os seus direitos, a sua soberania para escolher o futuro, não é hipotecável nas mãos dos credores ou dos interesses instalados. Ergamos a nossa voz para exaltar o fado canção e não fatalidade, ergamos a voz para dizer não à submissão, para relembrar que o nosso futuro depende de nós, hoje e agora, com as opções que tomamos e o caminho que trilhamos. Desistir Nunca! Somos Portugal!

Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;

Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;

Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,

Mãe dos prazeres, doce Liberdade!

Viva o 25 Abril! Viva Portugal!!!

Gisela Martins
Membro da Assembleia Municipal de Condeixa-a-Nova

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